Localizada na ponta Sul do deserto da Península do Sinai, onde o Mar Vermelho se divide entre os golfos de Suez e o de Aqaba, está a cidade egípcia de Sharm El-Sheikh. O balneário de 73 mil pessoas passou parte da história como vila de pescadores e outra como território disputado por Israel e Egito pela sua condição estratégica. Foram décadas de conflitos até que em 1982 o imbróglio foi resolvido com um tratado de paz e os israelenses saíram de cena. A partir dali, resorts e cassinos foram construídos tornando aquele pedaço da África uma mistura de Cancún com Las Vegas, num país hoje sob a ditadura do presidente Abdul Fatah Khalil Al-Sisi. Foi ali que durante 14 dias líderes mundiais e 35 mil pessoas se reuniram para discutir justiça social e ações contra mudanças climáticas na 27ª Conferência das Partes das Organizações das Nações Unidas (COP-27). Parece claro que algo não se encaixava desde o princípio.

PAÍS-SEDE O presidente do Egito Abdul Fatah Khalil Al-Sisi recebe líderes mundias na Conferência do Clima que pela primeira acontece sob um regime ditatorial. (Crédito:Saul Loeb)

Considerada a maior COP da história, essa edição foi também uma das mais frustrantes. Motivos se acumulam. A começar pela escolha do país-sede. Seu regime político, infraestrutura e signos sociais são afrontas diretas a princípios básicos defendidos por esse fórum. “Além de ser um contrassenso a COP legitimar uma ditadura, Sharm El-Sheikh é uma cidade que pela logística e custo [como o de hospedagem] é pouco inclusiva à participação civil”, disse Fabio Alperowitch, cofundador da Fama Investimento, gestora com foco em ações de empresas brasileiras com aderência às práticas ESG. A barreira financeira, porém, se mostrou mero detalhe diante do fato de que a participação civil foi apenas tolerada e desde que sob as rígidas regras do sistema. Protestos foram duramente desaconselhados. Quando aconteceram, foram reprimidos. E mesmo trivialidades como a internet, controlada pelo governo, tinha pontos cegos dificultando a comunicação entre quem estava dentro e fora do oásis artificial de Sharm El-Sheikh.

Todo esse contexto é chato, poderia e deveria ter sido evitado. Mas o ponto nevrálgico desta COP é que evidenciou um imenso abismo entre como os líderes dizem entender os riscos climáticos e as ações que tomam na condução de seus governos. A percepção colhida por especialistas é que muitos países chegaram para as negociações mais preocupados com os resultados imediatos do corte de gás russo durante o inverno europeu, com o impacto da inflação de alimentos sobre a população e mesmo sobre como garantir a retomada econômica após dois anos de pandemia do que em como deixar um planeta mais saudável para as gerações futuras. Nas palavras de Ricardo Assumpção, líder de ESG para a América Latina Sul e Chief Sustainability Officer da EY Brasil, “apesar do discurso, há uma grande dificuldade de acelerar a agenda por falta de integração entre as partes”. O resultado, segundo ele, foi “falta de foco e dificuldade de priorização dos acordos”.

Até quinta-feira (17), véspera de seu encerramento, nenhum acordo relevante havia saído do papel. Um cenário preocupante dado que o 6º Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), divulgado no início do ano, mostra que o planeta está perigosamente perto de pontos de inflexão que pode levar a impactos irreversíveis. Eis por que a expectativa é que essa fosse a COP da execução. Mas o tema Juntos para a Implementação não se efetivou. O objetivo de integrar as partes para decisões de como fazer o que os acordos anteriores haviam decidido foi frustrado. Entre eles, a criação do fundo anual de US$ 100 bilhões que em 2009 os mais ricos se comprometeram a criar a para apoiar a ação climática nos países em desenvolvimento.

OPORTUNIDADES Mas se o jogo acabou com poucos avanços nas mesas de negociação, para o setor privado uma Conferência das Partes nunca foi tão profícua. Luis Fernando Adaime, CEO e fundador da Moss, climate tech de soluções ambientais, se surpreendeu com a demanda de empresas brasileiras e internacionais. “Na minha perspectiva, a COP tem sido um sucesso estrondoso”, afirmou. Segundo ele, enquanto o lado institucional da cúpula fica amarrado à lentidão dos avanços diplomáticos que precisam de consenso para fechar acordos, a iniciativa privada traz agilidade para fechar negócios alinhados à descarbonização do planeta. Ele destaca o interesse de grandes empresas e agentes do mercado de capitais nas oportunidades de comercialização de créditos de carbono no Brasil. Ainda mais no cenário pós-eleição. “A mudança de governo com certeza colocou o Brasil de novo no mapa.”

Quem viu e ouviu Lula no Egito não tem dúvidas. Convidado pelo general Sisi a comparecer à COP, Lula chegou ao balneário com recepção de chefe de Estado. Se encontrou com Xi Zhen Hua, alto representante da China para o clima e em seu discurso na quarta-feira (16) repetiu o compromisso que havia feito um dia antes para John Kerry, representante dos Estados Unidos. “Diga a Biden que o Brasil está de volta à agenda climática, ao cumprimento do Acordo de Paris. Seremos novamente um ator importante na agenda internacional.” Foi ovacionado. Assim como o foi quando convidou a ONU a fazer a COP-30, em 2025, no Brasil. Na Amazônia. A plateia gostou e em uníssono cantou para o mundo, diretamente das cadeiras da ditadura egípcia: “O Brasil voltou”.