O governo alemão, encabeçado por uma mulher – e das mais empáticas entre as mulheres poderosas destes nossos tempos – acaba de apresentar um plano nacional para acabar com a desigualdade de gênero dentro do próprio governo. A lógica é simples: tirar essa responsabilidade da esfera exclusiva do Ministério da Mulher e, envolvendo todos os ministérios, acelerar um avanço que caminha lentamente. Com metas, indicadores e, principalmente, servindo de exemplo para o setor privado.

Sim, o plano estabelece diversas cotas. Entre elas, garantir pelo menos uma mulher em conselhos executivos da administração federal onde já haja quatro membros. Cada ministério terá de aprovar leis e regras para rever disparidades salariais e nas aposentadorias, aumentar o número de mulheres em cargos de comando e se adequar para cumprir o artigo da Constituição que já dizia que “o Estado deve promover a igualdade efetiva entre homens e mulheres”.

Mas se a igualdade entre homens e mulheres está contemplada na Constituição alemã e em muitas outras, inclusive na brasileira, por que razão as desigualdades continuam soltas por aí?  A resposta mais direta poderia ser: porque há leis que simplesmente não “pegam”. Mas é um pouco mais complicado do que isso.

Leis não “pegam” quando é difícil fazer com que sejam seguidas e, adicionalmente, não há punição para seu descumprimento. A mesma Alemanha que decidiu agora adotar um plano nacional para promover a igualdade de direitos e oportunidades, dando o exemplo a partir da administração pública, convive com a mais baixa representação feminina no Parlamento em 20 anos – o que significa que o país andou para trás. E tudo bem.

Tem mais: as mulheres alemãs recebem salários em média 20% menores que os dos homens e ocupam só 15% dos assentos em conselhos nas empresas privadas. Até 1977, uma alemã só poderia trabalhar fora de casa com o consentimento do marido, e desde que isso não atrapalhasse o desempenho doméstico, considerado como sua obrigação. Ainda hoje elas ocupam 60% mais do seu tempo nessas tarefas, quando comparadas aos homens.

Descer nesses detalhes é importante para compreender que o abismo de gênero existe não apenas no Brasil, ou é coisa de países menos desenvolvidos. E compreender como é difícil ser vencido. Mas acontece que alguém, um dia, resolve puxar a fila.

E quando alguém puxa a fila, outro logo vem atrás. O partido da primeira-ministra Angela Merkel acaba de decidir que terá ao menos 30% de mulheres como lideranças partidárias no próximo ano, e vai chegar a 50% em 2025. Uma medida vai acabar alimentando a outra, criando o ambiente para a mudança de verdade.

Os críticos das cotas – e não são poucos – vão sempre dizer que os indicadores do plano alemão só servirão para colocar mulheres pouco preparadas em posições antes ocupadas por homens. Não vale a pena entrar no mérito, mesmo porque esse argumento, velho conhecido, parte do princípio de que competência é atributo de um grupo específico e selecionado de seres humanos. Nada mais equivocado.

E é aqui que o Brasil tem um excelente exemplo para exportar: a adoção das cotas raciais no acesso às universidades ainda não completou uma década e já produziu resultados significativos para mostrar que funciona, cria justiça social e abre portas que ficariam fechadas para sempre. Tanto quanto o plano alemão, não resolve o problema em definitivo. Mas, de novo, alguém um dia puxa a fila – e é o que garante que o mundo continue seguindo adiante.