Há alguns mitos criados no entorno do serviço público que funcionam como gatilhos de ativação na sociedade civil. “O estado é obeso”. “O funcionalismo público é o mais caro do mundo”. “O serviço público sempre paga mais que a iniciativa privada”, são algumas das falácias que se apoiam mais em uma ideia do que em números reais. E um desses mitos foi desmentido ontem (25) pelo Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipea) que revelou que entre 2002 e 2020 os gastos do governo federal, estadual e municipal com pessoal subiram apenas 0,96%.

Segundo os autores do estudo, o mapeamento concluiu que “carecem estatísticas consistentes que corroborem os argumentos alarmistas de que o gasto com servidores ativos é muito alto”.

Quase metade dos reajustes salariais em julho ficou abaixo da inflação

Isso significa que não há um crescimento com folha de pagamento que sustente argumentos como aqueles que defendem que a ineficiência de serviço público está atrelada ao excessivo gasto com pessoal. E aqui vou desmistificar três deles. Os que tratam de aposentadoria, de ineficiência e de supersalários.

APOSENTADORIA – E é preciso derrubar pelo menos parte dessas percepções. Com relação aos recebimento de proventos após uma determinada idade, houve uma força-tarefa nos estados desde 2016 para revisão da aposentadoria dos servidores. Desde então, 22 dos 27 governos estaduais conseguiram fazer ao menos uma mudança estrutural na folha de pagamento, aumentar o desconto dos servidores ativos ou remanejar a arrecadação de tributos para cobrir o avanço no número de aposentados na máquina pública.

Os municípios, por tabela, puderam reajustar seus gastos de acordo com as orientações do governador. No âmbito federal, a nova Previdência, aprovada por Paulo Guedes, apesar de não resultar em uma gigantesca economia no curto prazo, aponta uma curva de gastos minimamente controlados no futuro. Todas essas medidas, obviamente, vão precisar ser revisitadas de tempos em tempos para se alinhar a realidade do momento, mas o fato é que hoje a situação da previdência não é mais tão periclitante como se apresentava até 2014.

INEFICIÊNCIA – Quando uma notícia sobre redução de gastos com pessoal surge, o natural é pensar que essa queda explicaria a piora nos serviços públicos. Mas isso é uma inverdade. Na prática a quantidade de servidores na comparação populacional e os serviços prestados seguem relativamente iguais, com a otimização de alguns serviços prestados em função da digitalização. Em 2018 o Ipea apontava cerca de 11,4 milhões de funcionários públicos em todas as esferas. Em 2008 eram 10,9 milhões.
Isso quer dizer que há pouco funcionário público? Não. Isso quer dizer que o problema não está aí. Um estudo de 2021 da OCDE revelou que a ineficiência do serviço público brasileiro está mais ligado aos problemas burocráticos e corrupção do que ao número de servidores, de equipamentos públicos ou de demanda. Eles usam como exemplo o SUS. Uma estrutura pública considerada de ponta, mas que tem dificuldade em direcionar corretamente a demanda. “Gratuito e excelente para alta complexidade como não se vê em lugar nenhum do mundo, mas cria uma percepção negativa porque o atendimento básico acaba superlotado”, dizia o relatório da OCDE datado de julho de 2021, citando também casos de desvio de recursos.

SUPERSALÁRIOS – Esta talvez seja a maior distorção no imaginário popular sobre os servidores. E não é sem razão. Quando olhamos supersalário de ministros do STF, de juízes, de desembargadores, de assessores e de políticos, o número parece abissal. Mas a verdade é que o valor médio do holerite de um servidor do Executivo é de R$ 3,9 mil. No Legislativo o provento médio é de R$ 6 mil, que é metade dos R$ 12 mil médios de um funcionário do Legislativo. Quando o recorte se dá por nível da federação, há disparidade também.

Servidores municipais têm salário médio de R$ 2,9 mil. Estaduais ganham em média R$ 5 mil enquanto os servidores federais recebem, em média, R$ 9,2 mil, segundo o Ipea. De acordo com o Portal da Transparência, apenas 0,2% do funcionalismo público recebe o teto constitucional de R$ 39,6 mil atualmente (e que saltará para R$ 44 mil ano que vem). Quando acumulam benefícios como vale moradia, vale terno, vale livros e outras benesses, há casos de servidores que conseguem chegar a proventos de R$ 100 mil em um mês. Mas esses somam menos de 0,08% do total. E eles são custosos. O pente fino nessas categorias depende de aprovação no STF e bastaria para controlar, por exemplo, benefícios sobrepostos, como um casal de juízes morando juntos e que recebe cada um seu vale moradia.