O mês de janeiro termina, para a Americanas SA, com uma mancha na história da empresa. Mesmo após sair do principal índice da B3 no último dia 20, a companhia segue com ações no mercado. Porém, a desvalorização é grande: a valorização mensal fechou em queda de 84.97%, com ações batendo R$1,45 nesta segunda-feira, 30. 

Diante do cenário de derretimento, especialistas acreditam que a melhor saída para Jorge Paulo Lemann, um dos homens mais ricos do Brasil, sócio da 3G Capital, acionista de referência da varejista, é encarar a recuperação judicial ao invés de deixar a empresa quebrar e enfrentar a Justiça. Vale lembrar que a própria Americanas SA afirmou ter R$800 milhões em caixa —chegando a ter R$8,6 bilhões em 2022.

“Dentro do processo de recuperação judicial, a empresa conta com alguns benefícios, como o prolongamento do pagamento das dívidas, a possibilidade da renegociação com diminuição do saldo credor, a preservação da empresa e dos empregos, e o mais importante: a confiança do público”, ressalta Leonardo Roesler, sócio-fundador da RMS Advogados. 

Quanto vale a Americanas?

Para o analista, não é possível determinarmos o valor exato da empresa Americanas neste momento, pois a queda livre das ações desencadeou uma situação completamente inusitada no mercado. 

“Se pegarmos os índices de mercado no fechamento de ontem, as ações bateram R$1,45 – tendo uma variação de 20% de aumento -, mas temos uma perda de 84.97% de valor das ações que tendem a sofrer durante o processo de recuperação judicial. De outro norte, temos o valuation, que é basicamente a avaliação das empresas partindo do princípio que qualquer ativo vale algo em razão dos fluxos de caixa futuros que irá proporcionar aos investidores”, avalia. 

Como é feita a avaliação de uma empresa?

Valuation
trata-se de um termo usado para definir “avaliação de empresas”, usando  indicadores, cálculos matemáticos e outros elementos subjetivos para determinar o preço justo de uma companhia: receita da empresa, número de clientes, potencial de crescimento, plano de negócio, etc. O sócio da RMS Advogados elencou alguns: 

  1. Preço-Lucro (P/L): É calculado dividindo o preço da ação pela renda por ação (EPS).
  2. Preço-Valor Patrimonial (P/BV): É calculado dividindo o preço da ação pelo valor patrimonial (book value) por ação;
  3. Fluxo de Caixa Descontado (DCF): Avalia o valor futuro dos fluxos de caixa esperados da empresa e os desconta para o presente;
  4. Múltiplos de Mercado: Compara a empresa com outras do mesmo setor e utiliza múltiplos, como P/L ou P/EBITDA, para estimar o valor da empresa;
  5. Avaliação comparativa: Compara a empresa com outras similares em termos de tamanho, setor e desempenho financeiro para estimar o valor.

Importante destacar, segundo o advogado, que a escolha do método apropriado depende das condições e informações específicas de cada empresa. 

Para o caso específico da Americanas, Leo Dutra, analista-chefe da Invius Research, enumera algumas considerações para a ‘crise’ do valuation:

– É preciso avaliar a capacidade da empresa em gerar caixa no futuro. “A Americanas é uma empresa de varejo que negocia com margens baixas, ela precisa de um emprego de capital muito específico. Basicamente, a empresa precisa da tomada de crédito na hora de negociar com seus fornecedores para fazer o negócio girar”, explica;

– Com o endividamento no nível que a empresa enfrenta, fica mais difícil conseguir esse crédito e, assim, melhorar suas negociações com os fornecedores. Isso vai impactar no fluxo de caixa da empresa, sendo esse um dos motivos das ações terem caído tanto de valor;

– Outro fator relevante são os credores não receberem. “Eles já entraram com processos para tentar antecipar o pagamento da dívida, o que compromete ainda mais o caixa da empresa e a movimentação do fluxo de caixa”, finaliza.

Qual a saída para Lemann, Sicupira e Telles, acionistas de referência: trio deve enfrentar anos de processos judiciais ou vender a companhia? 

Segundo Roesler, o ato de ‘deixar quebrar a empresa’ pode trazer riscos futuros a toda cadeia relacionada com a empresa, além de questões de responsabilização que a legislação prevê: responder pelas dívidas da empresa, penalidades fiscais, proibição de exercício de atividade, sem contar os danos à reputação que podem prejudicar em futuros negócios ou investimentos.

Dutra compartilha do mesmo pensamento. “Quando falamos em ‘deixar quebrar’, estamos falando da empresa decretar falência, e esse é um processo judicial a ser feito por ambas as partes, tanto pela empresa, quanto pelos credores. Caso a empresa deseje decretar falência, é necessário comprovar que não existe a possibilidade de honrar com todos os compromissos financeiros, inclusive após as tentativas de renegociações oferecidas pela recuperação judicial”, orienta.

Assim, caso os administradores da Americanas não se comprometam neste processo, pode haver responsabilização com desconsideração da personalidade jurídica, defende Dutra.

Pode haver responsabilização judicial?

Conforme já apurado em outra reportagem pela Dinheiro, o trio Lemann, Telles e Sicupira podem ser alvo de responsabilização pelo rombo com a companhia.

“Existe uma particularidade que precisa ser analisada, que é a apuração de responsabilidade dos sócios, ou seja, se eles agiram de modo ativo para contribuir com a fraude nos balanços. Caso isso fique comprovado através das investigações, eles seriam responsabilizados através de procedimento judicial e responderiam independentemente de ocorrer ou não a venda da companhia”, defende Roesler.

Rafael Zuanazzi, da Russell Bedford Brasil, listou 3 possiblidades de responsabilização na Justiça para o trio:

Lei 6404/76: prevê ação de responsabilidade civil contra os fundadores, acionistas, administradores, liquidantes, fiscais ou sociedade de comando, se identificados atos culposos ou dolosos, no caso de violação da lei, do estatuto ou da convenção de grupo. Há prazo de prescrição de 03 anos para esta ação.

 Lei 6385/76: Crime de Manipulação do mercado
Art. 27-C. Realizar operações simuladas ou executar outras manobras fraudulentas destinadas a elevar, manter ou baixar a cotação, o preço ou o volume negociado de um valor mobiliário, com o fim de obter vantagem indevida ou lucro, para si ou para outrem, ou causar dano a terceiros: (Redação dada pela Lei nº 13.506, de 2017)
Pena – reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime. (Incluído pela Lei nº 10.303, de 31.10.2001)

Lei 6385/76: Crime de Uso de informação privilegiada
Art. 27-D. Utilizar informação relevante de que tenha conhecimento, ainda não divulgada ao mercado, que seja capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiros, de valores mobiliários: (Redação dada pela Lei nº 13.506, de 2017)