Parado há exatamente um ano no Senado, o Projeto de Lei da Câmara (PLC 44/16) que impede o julgamento comum de militares das Forças Armadas envolvidos em crimes contra civis pela Justiça comum deve entrar na pauta do Senado nas próximas semanas. Segundo fontes da Agência Brasil o assunto foi um dos temas tratados ontem (10) na reunião entre o ministro da Defesa, Raul Jungmann, e o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE).

Oficialmente, o ministro disse que esteve no Senado apenas para convidar o presidente da Casa para participar da cerimônia que marca o início do encerramento das atividades da Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti (Minustah), no dia 31 de agosto, naquele país caribenho. Mas, além do convite, Jungmann pediu apoio de Eunício para que a proposta, aprovada na Câmara em 2016, avance no Senado.

O pedido foi feito na mesma semana em que o comandante do Exército, general Eduardo Dias da Costa Villas Bôas, valeu-se de sua conta no Twitter para fazer uma cobrança: “A Op GLO [Operação de Garantia da Lei e da Ordem] no RJ exige segurança jurídica aos militares envolvidos. Como Cmt [comandante] tenho o dever de protegê-los. A legislação precisa ser revista”, disse.

Projeto

De acordo com a proposta, que também é a mais avançada sobre o assunto no Congresso, crimes dolosos contra civis praticados por militares das Forças Armadas – Marinha, Exército e Aeronáutica – na vigência de operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) devem ser apreciados e julgados apenas pela Justiça Militar. Esse texto já foi aprovado pelos deputados, mas ainda precisa ser analisado por comissões no Senado antes de ser votado no plenário da Casa.

A dúvida é como resolver a redação do Artigo 2º que diz que a “Lei terá vigência até o dia 31 de dezembro de 2016 e, ao final da vigência desta Lei, retornará a ter eficácia a legislação anterior por ela modificada”. A atualização da data pode reenviar o texto à Câmara dos Deputados, mas para que isso não aconteça a ideia é fazer com que a Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) do Senado interprete que a mudança é apenas de redação e não de mérito. O restante do texto seria aprovado exatamente como na Câmara.

Inicialmente, a proposta fora apresentada à Câmara e teve seu prazo de validade até 31 de dezembro de 2016 para assegurar que os atos praticados por militares durante os Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016 seriam da competência da Justiça militar. O impasse estabelecido durante o período de tramitação foi exatamente a defesa de que a medida seria válida também para as PMs.

No Congresso, uma outra proposta nesse sentido (PL 2014/2003) tem a simpatia dos militares. A diferença é que, além das Forças Armadas, também abrange os policiais militares. Essa proposta já foi aprovada pelo Senado e está pronta ser analisada no plenário da Câmara, mas sem previsão de entrar na pauta. Caso seja incluída na ordem do dia pelo presidente Rodrigo Maia, e aprovada, a proposta precisaria retornar ao Senado pois sofreu várias alterações ao longo da tramitação na Câmara. Para as Forças Armadas, qualquer uma das propostas atenderia a demanda e, por isso, os militares preferem não eleger oficialmente um projeto como sendo o preferido.

Em nota à Agência Brasil, o Centro de Comunicação Social do Exército disse que, com relação à segurança jurídica para os militares, deve-se considerar que as operações com o emprego de militares treinados e equipados, precisam ser amparadas pela legislação penal militar. “Atualmente, em alguns casos, é aplicável a legislação penal comum. Isso pode trazer prejuízos para a carreira profissional do militar, caso venha a se envolver em um confronto, e para a operação em si, já que uma pronta reação pode ficar comprometida”.

O documento diz ainda que a contribuição mais significativa desta atualização da legislação é ganhar em celeridade, principalmente, com o conhecimento das atividades militares pelo magistrado que vai analisar o processo.

Divergências

Para o ex-juiz federal e professor da Escola FGV Direito São Paulo Luciano Godoy uma legislação com essa finalidade certamente terá a constitucionalidade questionada junto ao Supremo Tribunal Federal (STF). “Esse já foi um instrumento que serviu na época da ditadura contra os civis e acho que seria um retrocesso voltar a dar essa competência à Justiça Militar em operações de segurança pública”, avaliou.

O problema todo, segundo o professor, é que as Forças Armadas não foram treinadas para serviços de segurança pública. “Essa é uma distorção no sistema. No mundo inteiro o serviço de segurança pública é da polícia. Então, você já está em um regime de exceção à regra. No caso de aprovação de uma lei como essa, seria criada uma exceção dentro da exceção e, nesses casos, não se trata de crime militar, mas de um crime civil que qualquer um pode cometer”, afirmou.