Nunca se falou tanto em inteligência artificial. Debates e opiniões variadas — com ou sem fundamento — tomam conta do dia a dia. Discute-se o impacto do ChatGPT, da Open AI, sobre o futuro do Google ou sobre o massivo e inevitável processo de sua utilização em praticamente todos os campos da vida humana — o que o futurista Kevin Kelly chama de “cognifying”. Para ele, processos industriais, empresariais, acadêmicos, médicos, de entretenimento etc., se tornaram, com a aplicação evolutiva dos conceitos e ferramentas de inteligência artificial, muito mais eficientes e eficazes.

Mas vamos deixar os dias atuais de lado e voltar para 1956. Naquele ano, um grupo de cientistas de uma universidade norte-americana iniciou um debate sobre o assunto e lançou um desafio: “uma proposta para a pesquisa de verão da Darthmouth College sobre inteligência artificial”. A jornada até a realidade de hoje foi longa. Machine learning, deep learning, big data, redes neurais e cloud computing, além do enorme crescimento nos meios de acesso (temos hoje globalmente mais de 4 bilhões de celulares e mais de 2 bilhões computadores conectados entre si), são elementos viabilizadores fundamentais dessa evolução.

Diante disso, é natural que as corporações coloquem o assunto no centro de suas estratégias. É bem verdade que a maioria delas está longe de entender o possível impacto da cognifying em seus negócios. No entanto, o lado humano desta transformação parece ser mais inquietante: abre a possibilidade de um deslocamento profissional e funcional, talvez observado somente no auge da revolução industrial.

Que funções e profissões poderão ser substituídas ou eliminadas pela AI? Estamos criando castas de pessoas inaptas funcionalmente para o trabalho? Em sua palestra Visão simbólica x Inteligência emocional, a professora e filosofa Lúcia Helena Galvão traz importantes pistas para essas perguntas. Competências como colaboração interpessoal, criatividade e intuição, antes consideradas quase como frivolidades, ganham destaque enorme nesse novo contexto, justamente por serem essencialmente humanas. Foi a colaboração entre humanos um dos principais fatores de sobrevivência da nossa espécie, possível graças à confiança e à empatia — que dificilmente serão replicadas por algoritmos, por mais poderosos que sejam.

“Competências como colaboração interpessoal, criatividade e intuição, antes consideradas quase como frivolidades, ganham destaque enorme nesse novo contexto, justamente por serem essencialmente humanas. Foi a colaboração entre humanos um dos principais fatores de sobrevivência da nossa espécie”

Já a criatividade, de acordo com Michael W. Eysenck e Christine Eysenck, autores de Inteligência Artificial X Humanos (lançado no Brasil pela editora Artmed), também não pode ser substituída. Os sistemas só são capazes de avançar sobre formas menos complexas e é pouco provável que algoritmos consigam sintetizar a criatividade transformacional, já que ela envolve a produção de novas ideias com profundo impacto inovativo e em grande medida não relacionadas com experiências passadas.

É nossa capacidade de entender, identificar e chegar a conclusões sem partir de evidência empírica, conceitos e avaliações racionais. Apesar de mística, tem impulsionado ideias, inovações e avanços sociais no mundo.

Os algoritmos não deverão alcançar essa tríade em um futuro previsível. Como diz Kevin Kelly, em The Inevitable: “Não é uma corrida contra as máquinas. Se corrermos contra elas, perderemos. Esta é uma corrida com as máquinas. Você será pago no futuro com base em quão bem você trabalha com robôs. E 90% de seus colegas de trabalho serão máquinas invisíveis.

Jorge Sant’Anna é diretor-presidente e fundador da BMG Seguros e membro do Conselho de Administração da Associação Brasileira de Bancos