A decisão do Banco Central Europeu (BCE) de elevar os juros na Zona do Euro em 0,50 ponto percentual, anunciada na manhã da quinta-feira (21) surpreendeu os investidores, que esperavam um movimento mais moderado. Na reunião anterior, o Conselho do BCE, equivalente ao Comitê de Política Monetária no Brasil, havia indicado uma alta de 0,25 ponto percentual nas taxas. No entanto, ao comentar a alta mais intensa, o comunicado oficial informou que “o Conselho decidiu ser apropriado adotar um primeiro passo mais largo no caminho de normalização da política monetária do que o indicado na reunião anterior”. E acrescentou que “essa decisão foi tomada devido a uma atualização na análise dos riscos de inflação”.

A reação foi imediata e forte. Na segunda semana de julho o euro, a moeda única europeia, caiu abaixo de US$ 1,00 pela primeira vez desde dezembro de 2002. No encerramento dos negócios em Londres na quinta-feira, a taxa de câmbio rondava US$ 1,02 por euro, uma reversão da trajetória de baixa.

A decisão representa uma mudança abrupta tanto na direção quanto na intensidade da política monetária europeia. Já desde o início do ano, e com mais ênfase a partir de junho, o BCE vinha sinalizando uma elevação das taxas. O último aumento havia ocorrido em 2011. E desde junho de 2014 os juros nominais eram negativos, para tentar estimular a combalida economia europeia.

Se for para seguir o manual, o BCE terá de continuar apertando a política monetária por um longo período. A inflação europeia está alta. Nos 12 meses até junho, os preços ao consumidor subiram 8,6%, ante 8,1% no levantamento do mês anterior. Esses números são muito superiores à meta de 2% ao ano.

Há outro problema. Juros baixos reduzem a atratividade dos investimentos em euros, o que provoca um fluxo de divisas para outras moedas, como o dólar e, em menor escala, a libra esterlina e o franco suíço (Inglaterra e Suíça já começaram a elevar os juros). Isso faz o euro perder valor em relação às demais moedas de referência, pressionando ainda mais os preços. A inflação é uma planta cujas raízes se aprofundam e se fortalecem com o tempo. Ou seja, quanto mais o BCE demorar para atacar o problema, maior terá de ser a dose do remédio. A questão é que o BCE tem limitações para seguir o manual.

DE SAÍDA: Mario Draghi, ex-presidente do BCE e agora ex-primeiro-ministro italiano, não conseguiu apoio político para sustentar seu governo. (Crédito:Andreas Solaro/AFP)

A União Europeia tem de conciliar interesses e dificuldades de vários participantes. As situações variam desde a solidez fiscal alemã aos problemas de nações como Grécia, Espanha, Portugal e Itália. Como ocorre em uma corrente, a resistência da zona do euro a um endurecimento da política monetária é a de seu elo mais fraco. O caso italiano é um dos mais graves. O país é a terceira maior economia europeia, mas a dívida pública equivale a 150,8% do Produto Interno Bruto segundo dados do fim de 2021. Para comparar, no Brasil essa relação é de 78,5%.

Pesadamente endividado, o governo italiano pode ter dificuldades crescentes para honrar os pagamentos de sua dívida. Isso faz com que nem as delícias da gastronomia nem as belezas da arte consigam atrair investidores. E para piorar, a situação italiana só se agrava. Enquanto Christine Lagarde, presidente do BCE, mostrava disposição para ser dura contra a inflação, um de seus antecessores pedia demissão. Mário Draghi, o primeiro-ministro italiano (e ex-presidente do BCE) renunciou ao cargo, por não conseguir manter a coalizão política que vinha sustentando seu o governo.

ESTADOS UNIDOS Para comparar, a situação americana é mais favorável. Do outro lado do Atlântico, o Federal Reserve (Fed), o banco central americano, já sinalizou que vai elevar os juros o quanto for necessário para fazer a inflação retornar à meta. Em uma situação parecida com a da Europa, os preços sobem muito acima da meta de 2%. Nos 12 meses até junho, a inflação ao consumidor é de 9,1%. A diferença é que os Estados Unidos são um só país e as divergências são menos intensas. Uma situação que Christine Lagarde com certeza inveja.