RIO DE JANEIRO (Reuters) – Para derrubar o presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro, André Janones teve que combater fogo com fogo.

O deputado do Avante de 38 anos conduzia uma campanha presidencial improvável até unir forças em agosto com Luiz Inácio Lula da Silva, reforçando a campanha do agora presidente eleito com sua abordagem crua e sem barreiras para a política online.

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Em entrevista à Reuters, Janones reconheceu que seus ataques, exageros e até confrontos físicos com oponentes não têm sido construtivos para o debate público, mas disse que para vencer e impedir Bolsonaro de consolidar sua agenda conservadora, a esquerda brasileira precisava se apropriar das táticas do oponente.

“Esse debate empobrece a democracia. É um debate pobre. É um debate em que você está fazendo provocação, deboche, está brincando ali”, disse Janones, negando as acusações de que usa informações falsas. “A gente precisa salvar a democracia. Olha o cenário em que a gente está vivendo.”

Filho de uma empregada doméstica e um pai cadeirante de uma pequena cidade no interior do Brasil, Janones pagou a faculdade de direito trabalhando como cobrador de ônibus e só se tornou deputado federal em 2019.

Seu papel mudou de patamar nos últimos meses enquanto ele ajudava Lula, de 77 anos, a reformular sua estratégia de comunicação, fazendo parceria em transmissões ao vivo na internet com os cerca de 14 milhões de seguidores que o parlamentar tem nas redes sociais, em especial no Facebook, onde reúne eleitores mais jovens e mais pobres.

Janones também surpreendeu alguns membros do Partido dos Trabalhadores (PT), de Lula, por seus ataques vulgares contra Bolsonaro e seus aliados. Ele foi alvo de escárnio público após uma discussão com o ex-ministro do Meio Ambiente nos bastidores de um debate televisivo.

“VEIO PARA FICAR”

Ainda não está claro como Lula planeja usar Janones e sua tropa de choque digital, que o ajudaram a obter uma vitória eleitoral apertada, mas podem complicar a delicada construção de uma coalizão governista no Congresso, onde partidos de direita ganharam assentos.

Janones disse que aceitaria qualquer cargo que Lula lhe oferecesse.

Em uma reunião com o presidente eleito na semana passada, ele disse que Lula o encorajou a “continuar com a comunicação forte, mobilizada durante o governo”.

Um alto assessor de Lula defendeu o papel de Janones, dizendo que ele conseguiu entrar onde a campanha oficial não poderia ousar. Ele foi o aliado mais proeminente de Lula a arregaçar as mangas em uma corrida que pegou de surpresa até a campanha de Bolsonaro.

Nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal abriu investigações contra Bolsonaro e seu chamado “Gabinete do Ódio” por supostamente usar recursos públicos para espalhar desinformação online.

O gabinete de Bolsonaro não respondeu a um pedido de comentário sobre o tema. O presidente havia apresentado ao STF anteriormente uma queixa para investigar um caso de abuso de autoridade do Judiciário que, segundo ele, pretendia censurar as vozes de direita.

Octavio Guedes, jornalista e comentarista político, disse que Janones e seus esforços para enfrentar Bolsonaro nas trincheiras digitais foram “fundamentais para a eleição de Lula”.

“Janones veio para ficar. Ele não vai ser um fenômeno passageiro”, ele acrescentou. “Ele é popular. Ele é teatral. Ele sabe encenar.”

ADVOCACIA ONLINE

Depois de se formar em direito, Janones advogou para moradores de sua cidade natal, Ituiutaba, em Minas Gerais, que enfrentavam dificuldades com o sistema público de saúde. Ao longo de uma década, ele gravou vídeos “sensacionalistas” atacando as falhas do sistema.

“Com a voz alterada, gritando, brigando, mas cobrando o Estado para cumprir aquela decisão da Justiça”, disse ele. “E começou a funcionar, e vidas começaram a ser salvas.”

Em 2018, quando uma greve de caminhoneiros paralisou o Brasil, Janones encontrou uma nova causa. Um vídeo seu gravado em nome dos caminhoneiros obteve 60 milhões de visualizações. No final daquele ano, ele foi eleito deputado federal.

Bolsonaro, outro político experiente que foi rápido em adotar a causa dos caminhoneiros, foi eleito presidente no mesmo ano, usando as mídias sociais para surfar na raiva com relação aos escândalos de corrupção e à má gestão econômica sob os governos do PT.

“Eles entenderam lá em 2018 que o segredo da rede social é quem pauta quem”, disse Janones, referindo-se à estratégia de comunicação popular e agressiva de Bolsonaro liderada por seu filho Carlos.

Ele enxerga na equipe de Bolsonaro uma estratégia online mais ágil, incluindo uma série de canais oficiais e não oficiais alinhados à direita que divulgam a mesma mensagem coordenada.

Mas a admiração profissional de Janones não o impediu de mirar as vulnerabilidades do adversário: ele acusou Bolsonaro de ser pedófilo e sugeriu que o candidato teria feito um acordo secreto com maçons para ganhar a eleição.

Vídeos antigos de Bolsonaro discursando em lojas maçônicas, consideradas templos pagãos por alguns evangélicos brasileiros, voltaram a circular online. Uma fala do presidente a um podcast na qual ele diz que “pintou um clima” ao ver adolescentes venezuelanas que sugeriu serem prostitutas foram usadas para acusá-lo de pedofilia.

Bolsonaro nega qualquer associação com rituais pagãos e classificou como caluniosas as insinuações de pedofilia, além de pedir desculpas por seus comentários sobre as adolescentes.

Apesar do comportamento selvagem na internet, Janones não perdeu sua visão da mídia digital como um serviço público. Durante a pandemia, quando Bolsonaro começou a distribuir o auxílio emergencial para os mais pobres, Janones realizou transmissões ao vivo nas redes sociais guiando seus seguidores pelas etapas burocráticas para se ter acesso ao dinheiro.

Brenda da Silva, uma babá de 22 anos de São Gonçalo, no Estado do Rio de Janeiro, disse que começou a acompanhar Janones durante a pandemia quando ouviu de amigos, alguns dos quais perderam o emprego, sobre os seus vídeos explicando como acessar o benefício.

“No momento que o pessoal mais precisou, ele ajudou”, disse ela.

(Reportagem de Gabriel Stargardter; reportagem adicional de Lisandra Paraguassu)

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