Uma empresa é um organismo vivo e cada decisão e gesto de seus líderes formam um código de conduta e relacionamento que especialistas chamam de cultura organizacional. Prefiro chamar de alma, algo que é percebido via diversos atributos culturais correntes na organização — aqueles que aparecem nas relações, conflitos, segurança psicológica e até na vestimenta dos colaboradores.

A cultura nasce com os fundadores e se modifica com a influência dos líderes ao longo do tempo. Novos entrantes se adaptam, felizes ou não, ou são expelidos. A cultura não suporta mudanças bruscas.

O psiquiatra Paulo Gaudêncio usava o termo “coisificante” ou “dignificante” para definir como as empresas lidam com seus funcionários. Para ele, quando alguém tem a dignidade desrespeitada, se coisifica e passa a tratar o trabalho como coisa e não como algo que lhe dê prazer e realização.

Esse profissional está sendo desrespeitado pela empresa e por seus líderes. Por isso, ele só segue as normas e dá à organização
a sua parte, trocando trabalho por remuneração. Já num relacionamento dignificante, em que a sua dignidade é considerada, ele se torna autônomo e luta pela sua realização e a da empresa, torna-se mais produtivo e feliz.

Uma empresa presa a uma cultura “coisificante” jamais poderá sustentar uma operação de alta performance ou um impulso inovador.

Em A Fundamentação da Metafísica dos Costumes o filósofo Immanuel Kant (1724-1804) estabelece a dignidade a partir dos ideais de liberdade e autonomia do indivíduo. Em contrapartida, cria o conceito de heteronomia, ou seja, a sujeição do indivíduo à vontade de terceiros, opondo-se ao conceito de autonomia, em que o indivíduo possui livre arbítrio e expressão.

Sem a difusão de uma cultura organizacional que privilegie a autonomia em todos os níveis, não conseguiremos estabelecer uma relação dignificante com os colaboradores e teremos um ambiente de baixa segurança psicológica que, aliado a requerimentos de performance elevados, levam ao adoecimento da empresa e dos colaboradores.

“As decisões não devem mais ser tomadas com base no seu conhecimento, experiência e inteligência, mas sim na imensa fonte de conhecimento dos colaboradores em todos os níveis hierárquicos e funcionais, numa rede que capte todo esse conhecimento de quem de fato está próximo dos clientes, o que se torna um dos pilares da geração de inovação recorrente”

Sem autonomia e o consequente sentimento de dignidade não existe inovação, colaboração, comprometimento e, principalmente, não há alinhamento de propósitos.

Forjar a autonomia e criar um relacionamento que desenvolva um senso de dignidade em toda empresa exige uma postura consistente e humilde da liderança, que não precisa ter todas as respostas, mas sim as perguntas corretas.

As decisões não devem mais ser tomadas com base no seu conhecimento, experiência e inteligência, mas, sim, na imensa fonte de conhecimento dos colaboradores em todos os níveis hierárquicos e funcionais, numa rede que capte todo esse conhecimento de quem de fato está próximo dos clientes, o que se torna um dos pilares da geração de inovação recorrente.

Outro ponto fundamental é a real abertura para lidar com os erros da organização. Em um ambiente de transformação tecnológica e de novos modelos de negócios, tentativa e erro são regra e, não, exceção. Autonomia sem compreensão do erro é heteronomia disfarçada.

Já em 1785, Immanuel Kant havia entendido o impacto de ações dignificantes ou coisificantes no ser humano: autonomia dignifica; heteronomia ‘coisifica’. É bom ficarmos atentos.

 

* Jorge Sant’anna é diretor-presidente e cofundador da BMG Seguros e membro do Conselho de Administração da Associação Brasileira de Bancos