Em 2019, no mesmo ano em que o IBGE divulgou a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) mostrando que 71,22%, ou 119,7 milhões de brasileiros acima de 14 anos não tinham completado o ensino médio, quatro mães de alunos de uma escola localizada no Real Parque, bairro da capital paulista, resolveram ajudar jovens de uma comunidade carente a sair dessa estatística.

De forma voluntária começaram a dar aulas para moradores de 18 anos ou mais da favela da região com o objetivo de prepará-los para o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja) e conseguir o diploma. Na época 35 pessoas foram impactadas, mas com a digitalização do ensino acelerado na pandemia o projeto cresceu.

Hoje, sete empreendedoras comandam a Zeka Educação Digital e mais de 1 mil estudantes foram impactados via plataforma. “Queremos democratizar a educação”, afirmou Monica Pinhanez, profissional de ensino com mais de 20 anos de experiência e uma das cofundadoras da Zeka.

71% dos brasileiros acima de 14 anos
evadiram a escola antes dede concluir o ensino médio

Dois gatilhos impulsionam a escalabilidade do projeto.

O primeiro foi o isolamento social quando, como todas as instituições de ensino, as aulas deixaram de ser presenciais para se tornarem virtuais. Nesse momento, um problema inesperado. Aulas pelo computador não deram certo.

Muitos dos equipamentos dos estudantes em curso não rodavam as plataformas mais usuais como o Teams e semelhantes. A outra era o ambiente externo, como disse Mônica. “Nas comunidades, o computador é da família instalado em ambientes compartilhados e é disputado por todos.”

O jeito foi usar o Whatsapp por um ano até que as aulas e conteúdo migraram para um aplicativo proprietário. Independentemente do meio, a grade curricular é formal.

“Todo o conteúdo segue a portaria normativa do Ministério da Educação”, afirmou a empreendedora. O curso tem o custo de R$ 189 que podem ser divididos em parcelas de R$ 18,90 durante os seus dez meses de duração.

O segundo foi a seleção em um edital para participar do projeto Favela Inteligente na Rocinha (RJ). Realizada pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), a iniciativa tem como objetivo promover uma série de projetos de formação para a comunidade.

Esse momento, segundo Loredana Sarcinella, sócia e executiva da edtech, foi fundamental para a Zeka. “Com essa experiência conseguimos montar o MVP (Produto Mínimo Viável) da startup”.

Hoje, além de ser uma plataforma acessível para qualquer estudante maior de 18 anos que tenha evadido a escola, a empresa foca no B2B. Na lista de clientes, marcas como o Magazine Luiza, o Grupo Trigo (com marcas como Spoleto, Gendai e China in Box), e a Pop Trade, agência de trade marketing com mais de 5 mil promotores, que contratam a plataforma como ação social para aumentar a escolaridade de seus funcionários.

“O retorno é essencial para que a gente possa escalar e ter um impacto maior do que temos hoje.” Monica Pinhanez, cofundadora da Zeka educação

Futuro

Para sustentar o crescimento, as executivas precisaram recorrer a investimentos de terceiros. O caminho foi atrair investidores-anjo. Loredana não abre o valor exato, mas a soma dos 12 financiadores “ultrapassa R$ 1 milhão”.

Os recursos foram usados para aprimorar a tecnologia e permitir a expansão do acesso para todas as partes do País.

Agora, já pensam em realizar uma rodada Seed, afinal, afirmou Monica, a Zeka é um negócio social e não filantrópico. “O retorno é essencial para que a gente possa escalar ainda mais e ter um impacto muito maior do que temos hoje.”

Nos planos de futuro há espaço até para a internacionalização, disse Monica, preferindo guardar os detalhes para “não atrair a concorrência”. O braço B2B também deve ganhar força com diversos modelos.

Além dos casos já citados como o do Magazine Luiza, há a possibilidade de estender o programa para a cadeia fornecedora dos clientes, comunidade do entorno e até para novos casos bem específicos como uma rede educacional que está contratando a plataforma para oferecer a formação aos pais de seus alunos.

O motivo? Segundo Loreana é o fato de que o exemplo familiar contribui para que os jovens se mantenham na escola. “No próprio formulário do exame há a pergunta se o aluno tem o apoio da família porque essa rede é fundamental na continuidade dos estudos.”

Iniciativas como essa, na medida que ganham escala, ajudam a mudar as estatísticas.

Na PNAD 2022, os números da evasão escolar antes do diploma do ensino médio melhoraram. Se há quatro anos, 71,22% do total de 168.128.000 pessoas acima dos 14 anos não tinham a formação, hoje o percentual é de 69,44% de um contingente de 173 milhões de brasileiros com o mesmo recorte por idade.

Ainda assim, o Brasil está bem longe do ideal, o que torna duvidosa a capacidade de cumprir a meta acordada na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU): garantir a conclusão do ensino médio pelos seus cidadãos até 2030.