Foi o mais longo dos embarques: 15 anos na fila. Por esse motivo, a segunda-feira (27) ficará gravada como uma data decisiva na história da Azul Linhas Aéreas Brasileiras, companhia fundada em 2008. O dia marcou o anúncio do aumento de suas operações em Congonhas, na capital paulista. Trata-se do segundo aeroporto mais movimentado do Brasil, com 18 milhões de embarques em 2022, atrás apenas do Internacional de São Paulo-Guarulhos, que operou 34 milhões de embarques no ano passado. A novidade assinala o início de uma nova era para a empresa, que dobrou o número de slots (autorização de pousos e decolagens) com a redistribuição promovida pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) a partir dos horários anteriormente ocupados pela falida Avianca Brasil. O salto foi de 41 para 84 slots, sem levar em conta as 14 movimentações diárias da Azul Conecta, subsidiária da bandeira que atende rotas entre capitais e interior. “É o aeroporto de maior rentabilidade do País e da América do Sul”, afirmou à DINHEIRO Abhi Shah, presidente da Azul. “Muito importante e decisivo para o crescimento da empresa.” Desde outubro de 2022, o indiano Shah divide responsabilidades no comando da empresa com o americano John Rodgerson, CEO e principal executivo.

O incremento no número de voos em Congonhas é apenas o ponto de partida para a nova estratégia da Azul: ampliar a presença entre os clientes corporativos, que costumam comprar passagens com menor antecedência em relação ao cliente de viagens pessoais e, assim, pagam normalmente tarifas mais altas. A empresa não revela a variação de preço, mas basta uma pesquisa para encontrar diferenças que podem chegar a 1.000%. Resumindo: a maior atuação no aeroporto paulistano vai significar a entrada de maiores margens no caixa da Azul.

CONGONHAS PRIVATIZADO A companhia espanhola Aena garantiu em 2022 a concessão por 30 anos e entre diversas obrigações do processo terá de investir R$ 3,3 bilhões no aeroporto em São Paulo. (Crédito:Istock)

No Brasil, o segmento de embarques doméstico é praticamente concentrado em três companhias, que brigam com uma diferença de 7 pontos porcentuais pela liderança do mercado. No ano passado, segundo a Anac, a dianteira ficou para a Latam (36,5% de market share), seguida por Gol (33,7%) e Azul (29,3%). Todas ainda sofrem os efeitos da pandemia, que destroçou o caixa, as receitas e aumentou a dívida de aéreas de todo o planeta. Gol e Azul torraram recursos próprios e precisaram postergar pagamentos. O grupo chileno controlador da Latam chegou a pedir recuperação judicial em 2020 nos Estados Unidos depois de acumular dívidas superiores a US$ 10 bilhões — e deixou o Chapter 11, como o processo de recuperação é chamado nos EUA, no fim do ano passado. Segundo Jerome Cadier, CEO da Latam Brasil, a companhia agora tem menos dívidas, menos custos e está mais eficiente.

No caso da Azul, a saída encontrada para reestruturar a rota foi a renegociação de contratos. Apenas em 2023 a companhia teria de pagar R$ 3,8 bilhões por arrendamento de aviões (sendo R$ 600 milhões referentes a pagamentos postergados durante a pandemia) e R$ 700 milhões a bancos. A dívida bruta da empresa ao final de 2022 era de R$ 21,8 bilhões. Apesar do valor elevado, houve redução de 5% na comparação anual. O perfil da dívida também não é mais tão assombroso porque a receita chegou a R$ 15,9 bilhões, incremento de 59,9% no último período.

PIB PASSA AQUI Diante de um mercado ainda em recuperação, o aumento da participação em Congonhas é visto pela Azul como fundamental para a decolagem. O terminal paulistano tem localização privilegiada em relação aos centros financeiros da cidade, casos das avenidas Faria Lima, Paulista e Berrini. Delas para Congonhas, o trajeto normal é de 20 a 30 minutos. Para Guarulhos, dependendo da região, o tempo triplica. Isso faz despertar maior interesse das aéreas. E antes de mais que duplicar seu tamanho em Congonhas, a Azul estava em desvantagem no jogo contra Gol e Latam. A boa notícia para a empresa foi conjugada ao anúncio de uma nova rota, retomada ou aumento de frequência de outras. A novidade é a ligação Congonhas-Brasília, com voos quase todos os dias. Para Belo Horizonte, Recife e Rio de Janeiro (pela ponte aérea) houve aumento de oferta. Nos casos de Curitiba e Porto Alegre, os voos foram retomados. “O PIB do Brasil passa por Congonhas”, disse Abhi Shah.

Apesar do aumento de sua presença no terminal, a Azul ainda está bem atrás em relação aos concorrentes. Com a reformulação promovida pela Anac, a companhia passou de 7% para 14% dos slots em Congonhas. Gol e Latam têm 41% cada. O restante pertence à VOEpass. Mesmo assim, as projeções são poderosas. O CEO da companhia, John Rodgerson, disse que dobrar de tamanho no aeroporto é injetar dinheiro no caixa. “Vai nos possibilitar ter um Ebitda [lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização] superior a R$ 5 bilhões em 2023”, afirmou. Ele destaca ainda que o incremento no aeroporto paulistano ajuda no desenvolvimento de outras rotas, “o que é muito bom para o nosso programa de fidelidade”, disse, em referência ao Tudo Azul.

Ao ser lançada no Brasil, a empresa transformou em hub o aeroporto de Viracopos, em Campinas, a pouco mais de uma hora de São Paulo. Isso porque Congonhas já tinha seus players dominantes. Mas a Azul nunca deixou de sonhar com maior presença no terminal paulistano. Rodgerson chegou a dizer em algumas ocasiões que “as concorrentes não nos deixam entrar em Congonhas”. Desta vez, no entanto, o desejo se tornou realidade não só pela quebra da Avianca Brasil, mas também pela privatização do aeroporto no ano passado. A capacidade foi ampliada para o processo licitatório.

Marcos Alves

“A ampliação das operações da Azul no aeroporto de Congonhas vai nos possibilitar ter um Ebitda superior a R$ 5 bilhões em 2023” John Rodgerson CEO da Azul.

A vencedora da concessão por Congonhas foi a espanhola Aena, que arrematou por R$ 2,4 bilhões o lote que incluiu Congonhas e outros dez aeroportos (em Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Pará) e terá, entre outras obrigações, de investir R$ 3,3 bilhões no terminal de São Paulo. Isso já refletiu no novo cenário para a Azul. “Ao vender o aeroporto, o governo aumentou a capacidade, o que nos deu espaço para voar para os principais destinos”, afirmou o americano. A capacidade de Congonhas aumentou de 32 para 38 operações por hora. Para o indiano Shah é um “bom avanço”, que vê outras ampliações ocorrendo em etapas. “Em intervalos de seis meses ou mais.” Apesar de os 18 milhões de passageiros embarcados em 2022 refletirem alta de 87% sobre 2021, o total ainda é 22% inferior ao movimento de 2019, pré-pandemia.

FIDELIDADE Ou seja, há muito espaço de crescimento. E isso deverá capitalizar o programa de fidelidade da empresa, Tudo Azul, que tende a ser outro grande beneficiado pelo aumento de voos em Congonhas. Abhi Shah projeta para este ano um crescimento de 25% na receita bruta. Excluindo a transferência de pontos por compra de passagens e considerando apenas os valores que vêm de parcerias, especialmente das instituições financeiras, o resultado do Tudo Azul atingiu R$ 2 bilhões em 2022, contra R$ 1,1 bilhão de 2021 e R$ 1,3 bilhão de 2019, no período pré-pandêmico. “Isso será possível diante da oportunidade de muitos clientes passarem a voar pela Azul nas viagens de lazer e, principalmente, de negócios”, afirmou Shah. “Congonhas concentra um grande fluxo de executivos que chega e parte de São Paulo a trabalho.”

O programa Tudo Azul tem hoje 15 milhões de clientes, mas de acordo com Abhi Shah só 10% são de São Paulo. Presença em Congonhas deve mudar cenário.

O programa tem hoje 15 milhões de clientes que, a partir do terminal, fazem conexão com outros 90 destinos nacionais e internacionais e 38 localidades operadas exclusivamente pela Azul. “Mas posso dizer que, do total de cadastrados no programa Tudo Azul, apenas 10% são de São Paulo, o que é pouco pensando na média do Brasil e na média de pessoas que estão cadastradas”, disse Shah. “Nunca tivemos uma malha suficiente para clientes de São Paulo que viajam de Congonhas. A nossa maior presença aqui pode engajar bem o programa.”

Mas o crescimento do Tudo Azul e da Azul em si está relacionado não só ao aumento das operações em Congonhas. A empresa aposta também na expansão das rotas internacionais. A malha ao exterior deve crescer 70% este ano na comparação anual. A empresa já opera voos diretos para Fort Lauderdale e Orlando (EUA), Montevidéu e Punta del Este (Uruguai) e Lisboa (Portugal). Agora entra no tabuleiro a francesa Paris, destino que passa a ser operado a partir de 26 de abril, e a caribenha Curaçao, a partir de 24 de junho. Além disso, a companhia alcança outros 3 mil cidades pelo mundo por meio de parcerias. “Para o plano de fidelidade as rotas internacionais são excelentes, porque o cliente acumula muitos pontos e também resgata bastante. São destinos que rentabilizam muito para a empresa aérea”, afirmou Shah.

REPERCUSSÃO A notícia de mais espaço em Congonhas e mais rotas nacionais e internacionais foi bem recebida por analistas. O advogado especialista em direito aeronáutico Ricardo Fenelon Júnior acredita que o incremento das operações da Azul é relevante não só do ponto de vista econômico, mas também do ponto de vista simbólico. “Congonhas é um dos aeroportos mais importantes da América Latina”, afirmou à DINHEIRO. “E esse momento se mostra positivo para a companhia porque muitos passageiros que viajam pelo terminal terão oportunidade de conhecer os serviços da Azul.”

Ex-diretor da Anac, Fenelon disse que o aumento da concorrência no terminal paulista deve trazer maiores benefícios principalmente para o cliente. “Vamos citar Brasília, que é uma rota superimportante”, disse. “Até pouco tempo atrás você só tinha duas opções [de companhias aéreas] e agora passa a ter três. E isso pode refletir em preço mais baixo, e em maior número de voos disponibilizados.” Com isso, a Azul entra forte na briga por mais espaço e clientes. “Até pelo perfil da empresa e a forma como cresceu nos últimos anos não tem como imaginar que não vá chegar ao aeroporto de Congonhas para disputar o mercado de verdade”, disse Fenelon. Ganha o usuário. Como sempre acontece quando a concorrência aumenta.