As eleições brasileiras não estavam tão fragmentadas desde 1989. Há quase 30 anos, Fernando Collor de Mello disparou em primeiro lugar e a briga para quem disputaria com ele no segundo turno envolveu diversos nomes, em especial Leonel Brizola e Luiz Inácio Lula da Silva, que acabou vencendo Brizola, mas perdendo a disputa para o “caçador de marajás” de Alagoas. Não acredito, no entanto, que os dois pleitos possam ser comparados. As duas votações representam momentos históricos diferentes. Naquela época, o Brasil dava os primeiros passos de volta à democracia. A eleição presidencial era a primeira desde o golpe militar de 1964, que instaurou uma ditadura que durou 21 anos. Hoje, o País passa por uma grave crise econômica e chega às urnas desiludido com a política e com os políticos e num clima de grande polarização entre direita e esquerda.

Essa divisão me faz crer que teremos, pela primeira vez na história da redemocratização, a eleição do “não”. Explico. Há uma crença generalizada que o presidente eleito tem força para aprovar suas propostas sem grande resistência, e sem grande custo, no primeiro ano de seu mandato. O Congresso, nos primeiros 12 meses, dificilmente criaria dificuldades por conta da votação majoritária que elegeria o novo comandante da nação. Esse cacife eleitoral é fundamental para quem vai ocupar o Palácio do Planalto a partir de janeiro de 2019. Mas dificilmente esse político terá apoio integral da população que o elegeu. Em primeiro lugar, porque o número de abstenções e de votos brancos e nulos deve ser alto. Em 2014, por exemplo, 29% do eleitorado não escolheu nenhum candidato. Esse percentual é inferior apenas ao das eleições de 1994 e de 1998, quando 33,3% e 40,2% dos eleitores, respectivamente, não optaram por nenhum nome na urna eletrônica.

Há fortes indícios de que isso pode acontecer novamente em uma escala ainda maior. Uma evidência foi a eleição suplementar que aconteceu em Tocantins, em junho deste ano. A soma de votos brancos, nulos e abstenções superou a dos dois candidatos que disputavam a cadeira de governador no Estado. No total, 51,83% dos eleitores não escolheram nenhum dos postulantes ao cargo. Esse percentual representou 527.868 eleitores. Mauro Carlesse (PHS) foi eleito com 75,14% votos válidos (368.553). Vicentinho Alves (PR)ficou em segundo com 24,86% dos votos válidos (121.908).

Mesmo entre aqueles que optarem por um candidato podem fazer por razões que não são necessariamente a confiança em suas propostas políticas. O eleitor pode escolher o postulante A para evitar que o B saia vitorioso. Imagine um segundo turno entre Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT). Uma parte considerável do eleitorado pode votar no ex-capitão do Exército pelo seu sentimento antipetista. Outra pode preferir o ex-prefeito de São Paulo porque não gosta dos arroubos autoritários de Bolsonaro. Selecione qualquer nome para fazer essa simulação. Haverá sempre motivos para votar contra e não a favor do candidato. Pode-se argumentar que o segundo turno é para isso mesmo, ou seja, para escolher o menos pior. Não deixa de ser uma justificativa válida. Mas, dada a polarização, é pouco provável que dessa vez haja alguma afinidade ideológica no voto. O fator “não quero que o outro se eleja de forma alguma” terá mais peso.

Esse cenário pouco auspicioso indica que o próximo presidente que subirá a rampa do Palácio do Planalto chegará ao poder com menos força do que seus antecessores. Conseguirá mesmo assim tocar sua pauta de forma tranquila? Será que o Congresso, cuja renovação prevê-se que será mínima, não cobrará uma fatura alta? Minha única certeza é que esse quadro apenas reforça a necessidade de uma reforma política, que reduza o número de partidos. Só quando votarmos em ideias, e não em pessoas, haverá uma luz no fim do túnel – e não será um trem vindo em nossa direção.